sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A magia na vida de Jesus – Por Miguel Monte

Traduzido por Miguel Monte do Original Frances: Jesus ou le mortel secret des Templiers - ROBERT AMBELAIN
«Que não se encontre em seu povo a ninguém que pergunte aos mortos...»( Deuteronômio, 18, 11)
Não há nem um só exegeta que não tenha observado ou reconhecido que, na vida de Jesus, há um vazio obscuro, um período do qual não se sabe absolutamente nada. Para os docetas e todos os gnósticos em geral, e para Marción o primeiro. Jesus aparece de forma repentina, sem que se saiba de onde vem. É deste modo em Cafarnaum onde fixam sua primeira aparição. Outros situam-na no vau do Jordão chamado Beta-Abara, no povoado de Betânia.
Nesse período desconhecido da vida de Jesus, o rumor público judeu incluía sua estadia no Egito, com o fim de estudar ali a magia.
Com efeito, em Israel existia uma tradição solidamente estabelecida segundo a qual o Egito era a pátria de tal ciência, e que não se podia ter melhor mestre que um egípcio. Para todo talmudista sincero, experiente, possuidor da tradição esotérica das sagradas Escrituras, um dos tesouros roubados aos egípcios quando teve lugar sua saída do Egito (cf. Êxodo, 12, 35-36) foi precisamente esse conhecimento, e os famosos «copos de ouro e de prata», que os israelitas tomaram, sutilmente, das pessoas do Egito na véspera de sua partida em massa, para a Terra Prometida, não eram outra coisa que as chaves (os copos, os segredos) do duplo poder mágico (o ouro e a prata), ainda representado em nossos dias esotericamente mediante as duas chaves de ouro e prata que figuram no brasão dos papas.
Esta crença estava tão solidamente arraigada no espírito de Israel antigo, que todo viajante procedente do Egito que entrasse na Palestina era submetido a um escrupuloso registro a sua passagem pela fronteira comum. E, em virtude da palavra das Escrituras, a todo aquele que introduzira um tratado qualquer de magia, esperava-lhe como castigo a pena de morte, a partir do momento em que franqueasse os limites do país nabateu, ou da vetusta terra de Menfis:
«Que não se encontre junto a ti a nenhum daqueles que pratique as adivinhações, o sortilégio, o augúrio, a magia; que pratique feitiços, que consulte aos espectros e aos espíritos familiares, que interrogue aos mortos.» (Deuteronômio, 18, 10-11.)
Por isso:
«Não deixará viver a quem pratica a magia...» (Êxodo, 22, 17.)
E este ostracismo chegava muito longe. No século I de nossa era, Rabbi Ismael Ben Elischa, neto do supremo sacerdote executado pelos romanos, impede a seu sobrinho Ben Dama que se deixe curar por um cristão de uma mordida de serpente. Apóia sua oposição no tratado talmúdico Abhodah Zarah (27 B), o qual ensina que:
«Vale mais perecer que ser salvado pela magia...»
Assim, para os judeus, Jesus operava seus prodígios sustentando-se em seus conhecimentos de magia, que tinha aprendido e usado no Egito, e cujos elementos essenciais tinha conseguido dissimular sob suas roupas ao passar a fronteira. (Qiddouschim, 49 B; Schab., 75 A e 104 B.) Todos os seus discípulos eram como ele, já que ele lhes tinha ensinado seus segredos. Isso é o que explica seus milagres e o êxito que estes traziam equipado para eles, de cara à multidão ignorante.
Na mesma época se verá como Rabbi Eliezer Ben Hyrcanos, que tinha sido acusado de haver-se feito cristão em segredo, obteve finalmente a graça, ao haver-se chegado à conclusão de que um homem tão sábio, tão fiel observador da lei, não poderia extraviar-se; de tal modo, não teria caído em uma espécie de feitiço espiritual, praticado pelos discípulos de Jesus.
Reconheçamos que esta opinião era ainda compartilhada por uma percentagem bastante elevada de cristãos no século V. Em efeito, está demonstrado que os Evangelhos chamados «da Infância», que se compõem do Protoevangelho de Santiago; do Evangelho do pseudo Mateus; da História de José, o carpinteiro; e do Evangelho de Tomás; repartem-se em fragmentos que podem ter sido compostos, uns ao finais do século II, e outros no século V.
Pois bem, em todos esses textos mostra-nos ao menino Jesus dotado de faculdades mediúnicas extraordinárias; já apto para realizar prodígios, a mercê de suas reações infantis. Vê-lhe penetrar em uma caverna, onde uma leoa acaba de parir. Esta brinca e pula com Jesus, junto com os leãozinhos. E uma palmeira se inclina ante uma ordem dela, para oferecer à Maria, sua mãe, as tâmaras que deseja. Uma fonte brota por ordem dela, para saciar a sede de seus pais. No templo de Hennópolis, no Egito, as trezentas e sessenta e cinco estátuas das divindades cotidianas das paréneses caem ao chão. Quando brinca com a terra e a água, de retorno à Judeia, aqueles que danificam suas frágeis construções caem mortos aos seus pés. Modela uma dúzia de pássaros em argila, e lhes dá vida com apenas uma palmada.
Ante a indignação da população, consecutiva ao abuso que faz de seus poderes, seus pais o encerram em casa e não lhe deixam sair. Então, tanto para fazer-se perdoar, para demonstrar seu poder, Jesus devolve a vida a um menino ao que acabava de lançar um feitiço mortal. Confiam-no a um mestre de idade muito avançada para que lhe ensine a ler. O mestre, ao golpear Jesus com uma varinha de estoraque, cai imediatamente morto. Um fato confirma nos Evangelhos canônicos esse caráter rancoroso de Jesus: é o episódio da figueira (Mateus, 21, 19 e Marcos, 11, 21), que deveria ter dado figos a Jesus, instantaneamente, e fora de temporada, e a quem ele amaldiçoa por não o haver feito.
Em todos esses apócrifos, o pai de Jesus se chama José, evidentemente. Mas permaneceram alguns fragmentos de uma veracidade que a seguir foi sabiamente sufocada. Entre eles estão, por exemplo, os seguintes do pseudo Mateus sobre seus irmãos:
«Quando José ia a um banquete com seus filhos Santiago, José, Judas e Simão, assim como com suas duas filhas. Jesus e sua mãe iam também, junto com a irmã desta, chamada Maria, filha de Cléofas...» (Cf. Evangelho do pseudo Mateus, 42, 1.)
«José enviou então a seu filho Santiago para recolher lenha e levá-la a casa, e o menino Jesus lhe seguia. Mas enquanto Santiago reunia os ramos, uma víbora lhe mordeu na mão. E como sofria e morria. Jesus aproximou-se e soprou na ferida. Imediatamente a dor cessou e a víbora caiu morta, e Santiago permaneceu então são e salvo.» (Op. cit., 16,1.)
Nos apócrifos etíopes encontram o mesmo. Vemos Jesus, em sua idade madura, comunicando a seus discípulos fórmulas mágicas estranhas, algumas das quais encontraremos nos formulários, que todo bom doblara abissínio deve indevidamente possuir. [16]
[16 - O doblara é, em Abissínia (atual Etiópia), um corista da igreja que ademais, pratica a magia «branca», porque a negra está severamente reprimida.]
Essas são as crenças supersticiosas que compartilhavam os judeus e os cristãos em relação aos «poderes» de Jesus.
O que é seguro é que os cristãos mais fechados à análise racional de um texto não poderão negar que Jesus utilizava uma técnica. E esta é a prova:
Em sua ingenuidade os crentes ordinários imaginam que bastava Jesus dar uma ordem para que o milagre se produzisse. E nada disso. Há matizes, e os procedimentos diferem segundo a natureza do resultado desejado. Os seguintes textos o provam:
«Quando partiu dali, Jesus foi seguido por dois cegos que davam vozes e diziam: "Filho de David, tenha piedade de nós!" Assim que chegou à casa, os cegos aproximaram-se e Jesus lhes disse: "Creem que posso eu fazer isto?" Responderam-lhe: "Sim, Senhor". Então tocou seus olhos, dizendo: "Faça-se em vós segundo sua fé". E abriram seus olhos...» (Mateus, 9, 27.)
«Chegaram à Betsaida, e levaram à Jesus um cego, rogando-lhe que o tocasse. Tomando a mão do cego, tirou-o fora do povo, e, pondo saliva em seus olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via algo. O cego olhou e disse: "Vejo homens, mas algo assim como árvores que andam". Jesus pôs-lhe de novo as mãos sobre os olhos, e quando o cego olhou fixamente, foi curado, e viu com toda nitidez.» (Marcos, 8,22-26.)
«Passando, viu Jesus a um homem cego de nascimento [...]. E depois de haver dito isto, cuspiu no chão e fez um pouco de lodo com a saliva. Logo aplicou este lodo sobre os olhos do cego e lhe disse: "Vai e lava-te na piscina de Siloé". Foi, pois, ali e se lavou, e retornou vendo claro.» (João, 9,1 e 6-7.)
A piscina de Siloé estava situada perto de uma das portas de Jerusalém. Era ali onde os sacerdotes, revestidos com seus atavios festivos, tiravam água que utilizavam para as purificações rituais do Templo. Desde que o profeta Isaías a louvou (Isaías, 8, 6) consideravam-na Santa; ainda na Idade Média tinha fama, entre os muçulmanos, de dispensar uma água milagrosa. Com efeito, nestes três milagres se vê que Jesus emprega três técnicas diferentes:
a) no primeiro caso, a fé dos cegos garantia o resultado, por isso bastava-lhe tocar seus olhos;
b) no segundo caso, põe sua saliva sobre as pálpebras do cego, e lhe impõe as mãos. Ao ser incompleto o resultado, começa de novo a operação, e por fim o cego vê;
c) no terceiro caso, utiliza uma velha receita da farmacopeia antiga. Um código médico do século III, atribuído ao Serenus Sammonicus, recomenda a aplicação de uma camada de lodo para curar os tumores dos olhos. Mas Jesus acrescenta a isso, a modo de complemento, a imersão na piscina milagrosa de Siloé, ou pelo menos a lavagem dos olhos nessas célebres águas.
Sobre o fato de que Jesus utilizasse a saliva na cura das afecções oculares, este não faz mais que empregar uma receita antiquíssima que se apóia no valor terapêutico da saliva. Nos Anais de cirurgia plástica de abril de 1961, páginas 235-242, podemos ler no artigo «As derivações salivais parotídeas na xeroftalmia» as seguintes passagens:
«A síndrome xeroftálmica que se desenvolve sobre um olho com secreção lacrimal pobre ou ausente, conduz a queratinização ou a descamação da conjuntiva secada, com formação de aderências... A córnea se opacifica... As pestanas, ao roçar, convertem-se em um fator de ulceração... A descida da acuidade visual desemboca frequentemente em uma cegueira completa.»
«A saliva e as lágrimas têm uma composição muito parecida, e contêm ambas as lisozimas, substância bacteriostática de proteção.» O cirurgião comunicará então, por via mucosa intra bucal, o canal secretor das glândulas salivais com o fundo do saco conjuntivo. E «...disso resultará para o doente uma melhora espontânea da acuidade visual...» (Op. cit.)
Deste conhecimento inconsciente é de onde deriva o gesto de numerosos escolares que, afligidos por dor nos olhos, umedecem com sua saliva, com ajuda de seus indicadores, os lagrimais doloridos, enquanto fazem seus deveres sob lamparina caseira.
No caso do exorcismo que nos conta Mateus (17, 21), também aí se utilizou uma técnica. Julgue-se:
«Então se aproximaram os discípulos à Jesus e à parte lhe perguntaram: "Como é que nós não pudemos expulsar esse demônio?" Jesus lhes respondeu: "Por causa de vossa incredulidade; porque na verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a essa montanha: Passa daqui para acolá, e passaria, e nada vos seria impossível. Mas esta raça de demônios não se pode expulsar, senão mediante a oração e o jejum..."» (Mateus, 17,19-21.)
Em primeiro lugar, observaremos que existe contradição. O texto nos diz que nada é impossível para a pessoa absoluta e sincera. Mas o mesmo texto nos precisa os elementos de uma técnica, ascética e mística, para a obtenção do resultado: a oração e o jejum. Há aí uma indiscutível contradição, já que a frase final implica que, segundo a natureza dos demônios, segundo sua espécie, deve utilizar um procedimento, ou outro. Portanto, a fé por si só é insuficiente, e terá que lhe acrescentar um suporte psíquico: jejum, oração, sacramental (azeite, saliva, lodo, água, etc.). [17]
[17- Jesus não devia jejuar muito, porque ele mesmo reconhece (Mateus, 11, 19) que tinha a reputação de «comedor e bebedor». E são Jerônimo, em sua Vulgata, utiliza o termo latino potalor, que traduzimos por «bêbado»]
Há outros casos nos quais a análise deve ser mais sutil, mais prudente. Assim, por exemplo, o caso do possesso de Gerasa. Um homem está possuído por numerosos demônios. Vive nos lugares desérticos e nos sepulcros. Rompe as cadeias e os ferros com os quais lhe quer reduzir. Jesus vem, ordena aos demônios que deixem a esse homem. Eles suplicam-lhe:
«...e lhe rogavam encarecidamente que não lhes mandasse voltar para o abismo. Pois bem, havia ali uma manada de porcos, bastante numerosa, pastando no monte, e suplicaram a Jesus que lhes permitisse entrar neles. Permitiu-o. E saindo os demônios do homem, entraram nos porcos; a manada lançou-se por um precipício abaixo até o lago, e afogou-se. Vendo os porqueiros o acontecido, fugiram e o anunciaram na cidade e nos campos...» (Lucas, 8, 31-35.)
Observaremos, em primeiro lugar, que não são javalis, a não ser porcos domésticos, dado que se trata de uma manada com porqueiros. A cena tem lugar no «país dos gerasenos, que está frente a Galiléia». É, portanto, a Galaadítide. Mas que probabilidades tem que ali se criassem porcos, animais cujo consumo estava formalmente proibido pela lei, e cuja utilização, preparação e venda eram, por conseguinte, mais que aleatórias? Por outra parte, na Gerasa e em sua região não há lago algum. Para evitar este abrolho nos quis transferir a cena à Betsaida-Julias, nas bordas do lago Tiberíades, aliás de Genezaret, aliás mar da Galiléia. Mas então o acontecimento não se desenvolve já no país da Gerasa, nem em Galaadítide, a não ser na Gaulanítide, e a mais de oitenta quilômetros a vôo de pássaro da Gerasa... Uma vez mais, os escribas anônimos do século IV imaginaram algo, sem parar para refletir.
Por último, em Voyage en Orient de Gérard de Nerval lemos o seguinte, e é Avicena quem fala:
«Sempre disse que o cânhamo com o qual se faz a pasta de haschich era essa mesma erva que, conforme dizia Hipócrates, comunicava aos animais uma espécie de raiva que lhes induzia a precipitar-se ao mar.»
De fato, se fizermos uma seleção entre os acontecimentos milagrosos cuja origem é incontrolável, que os judeus atribuem à magia e os cristãos a milagres, vemos que a vida de Jesus está dominada por três fatos importantes:
a) o encontro com o Príncipe das Trevas, no topo da montanha da Quarentena, no deserto de Judá;
b) a evocação de Moisés e de Elias, no topo do Tabor;
c) o diálogo final, pouco antes de sua detenção, no monte das Oliveiras, com um «pai» misterioso.
Pois bem, tudo isso constitui uma sequência de operações mágicas, proibidas sob pena de morte pela religião judia.
Na cena da Tentação (Mateus, 4; Marcos, 1; Lucas, 4), Jesus é impulsionado pelo Espírito a isolar-se durante quarenta dias e quarenta noites, no topo de um monte ao que em nossos dias se denomina o monte da Quarentena, e nos precisa claramente que é para ser tentado ali pelo Diabo. Trata-se de uma prova iniciática: o operante deve triunfar sobre as forças baixas, se quer obter o apoio das forças do Alto. Este mesmo episódio se encontra na vida de Buda e de todos os grandes taumaturgos. Depois, o triunfador é «assistido por todo o Céu e obedecido por todo o Inferno», segundo a conclusão perfeitamente conhecida por todos os cabalistas.
Mas se tinha tratado de uma evocação, na qual se chama uma entidade, conjurada por ritos e palavras, e a obriga a manifestar-se, ou pelo contrário esse retiro de quarenta dias, na solidão e em jejum, não previa explicitamente a aparição, mas sim veio de forma inesperada? Nenhum texto o precisa. Por outra parte, terá que considerar como um exagero evidente o fato de que Jesus tivesse permanecido quarenta dias sem beber, nas terríveis solidões do deserto de Judá. Submetido a todas as vicissitudes da carne, sofreu a flagelação, a crucificação, e morreu, bem por causa desta, ou da ferida de lança do legionário romano, mas é absolutamente impensável que tivesse resistido, no meio do calor tórrido e das pedras reaquecidas, a semelhante desidratação.
Seja o que for, o encontro com uma «manifestação» do Princípio do Mal é o primeiro fato mágico importante da vida de Jesus. Existe ainda um segundo fato, que geralmente passa desapercebido: com esse Princípio teve lugar um segundo encontro, um, pelo menos. E este se desenvolveu imediatamente antes de sua detenção, ou, quando muito, uns quantos dias antes.
«E o Senhor disse: Simão, Simão, eis aí vos pediu Satanás com instância para joeirar como o trigo. Mas eu roguei por ti, para que não desfaleça tua fé, e tu, enfim depois de convertido, conforta a teus irmãos...» (Lucas, 22, 31-32.)
A Vulgata de são Jerônimo diz exatamente conversus, que significa transformado, mudado.
O que pode deduzir-se desses frequentes «contatos» com o Adversário?
A segunda grande operação teúrgica tem lugar no topo do monte Tabor; trata-se da célebre cena conhecida como a da Transfiguração; encontraremo-la relatada com todo detalhe em Mateus (17), Marcos (9, 2), Lucas (9, 29), João (1, 14), e na segunda Epístola de Pedro (1, 16).
«Seis dias depois, tomou Jesus ao Pedro, ao Santiago e ao João, seu irmão, e os levou à parte, a um monte alto. Ali se transfigurou ante eles, brilhou seu rosto como o sol, e suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E lhes apareceram Moisés e Elias falando com ele. Pedro, tomando a palavra, disse ao Jesus: "Senhor, bom é que estejamos aqui! Se quiser, levantarei três tabernáculos, um para ti, um para Moisés, e outro para Elias..." Ainda estava ele falando, quando uma nuvem resplandecente os cobriu. E eis aqui que uma voz, procedente da nuvem, disse: "Este é meu filho bem amado, em quem tenho minha complacência, lhe escutem!" Quando ouviram esta voz, os discípulos caíram de bruços, sobressaltados de grande temor. Mas Jesus, aproximando-se deles, tocou-os e lhes disse: "Levantai-vos, não temais..." Elevando eles os olhos, não viram ninguém, tão somente Jesus.
»Enquanto desciam da montanha. Jesus lhes deu esta ordem: "Não digais a pessoa alguma o que vistes, até que o Filho do Homem ressuscite dentre os mortos".» (Mateus, 17,1-9.)
Em primeiro lugar, observaremos que esta evocação apela a dois mortos, já que Moisés tinha morrido, na cúpula do monte Nebo, fazia quatorze séculos. E quanto ao Elias, este fazia onze séculos que «um carro de fogo e uns cavalos de fogo» o tinham levado para o céu, ante a estupefação de seu discípulo Eliseu. Se se tivesse tratado da simples manifestação de sua filiação divina, Jesus teria podido levá-la a cabo em Jerusalém, na habitação mais alta da casa de um amigo. Mas como se tratava de uma evocação dos mortos, devia ter lugar em um local afastado, em um lugar desértico, próximo ao céu, por duas razões. A primeira apoiava-se no fato de que semelhantes ritos exigem ser praticados de forma que não se corra o risco de ser incomodado pela chegada inopinada de profanos. A segunda devido a que, em Israel, não se brincava com essas coisas que, ao serem descobertas, implicavam a pena de morte em virtude das Escrituras: Deuteronômio (18, 10-11), e Êxodo (12, 35-36). Desde onde a recomendação de Jesus: «Não digais a pessoa alguma o que vistes...» (Mateus, 17, 9.)
Quanto à finalidade de tal evocação. Lucas é quem nos revela isso, ao nos dizer:
«E eis aqui que dois varões falavam com ele. Moisés e Elias, que apareciam gloriosos e lhe falavam de sua partida, que tinha que se cumprir em Jerusalém..,» (Lucas, 9, 30-31.)
De maneira que foi conhecer seu destino próximo pelo qual convocou Moisés e Elias, os dois guias essenciais da história de Israel. Está estabelecido o fato de que tudo isso foi acompanhado dos sahumerios mágicos habituais com potentes alucinógenos, pelo delírio e pela embriaguez, que demonstram seus discípulos, e a incoerência das palavras de Simão-Pedro, quem sonha acordado e quer levantar tabernáculos para os recém chegados. Porque Lucas, antes, diz-nos que «Pedro e seus companheiros estavam carregados de sono...» (Lucas, 9, 32), e de Pedro que «não sabia o que dizia...» (Lucas, 9, 34.)
Quanto à nuvem luminosa, a explicação é muito singela. Se alguém se situar no topo de uma montanha, em uma região com o céu impecavelmente azul, se chegar uma nuvem e o observador se achar envolto por tal nuvem, ao continuar o sol dando sobre essa montanha, fará da nuvem um verdadeiro difusor de luz, e será tal o contraste, que o observador, sobretudo se estiver vestido de branco, parecerá ainda mais deslumbrante.
E chegamos agora à última evocação, a que teve lugar a noite da detenção de Jesus, no monte das Oliveiras, perto de Betânia, num lugar chamado Getsêmani, que designava um lagar de azeite. Vejamos o relato de Lucas:
«Depois de sair foi, segundo costume, ao monte das Oliveiras, e lhe seguiram também seus discípulos. Uma vez chegado ali, disse-lhes: "Orem, para que não caiam em tentação..." separou-se deles a uma distância como de um tiro de pedra, e, posto de joelhos, orava: "Pai, se é do teu agrado, transfere de mim este cálice! Não se faça contudo minha vontade, senão a tua". Então lhe apareceu um anjo do céu, para o confortava.» (Lucas, 22, 39-43.)
«Depois de ter orado, levantou-se, veio para os discípulos e, encontrando-os dormitados pela tristeza, disse-lhes: "Quê, vós dormis? Levantai-vos, orai, para que não entreis em tentação".» (Lucas, 22, 45.)
Aqui vamos expor uma primeira pergunta: como pode alguém dormir de tristeza? A angústia e a pena o que fazem é tirar o sono. Esse «sono de tristeza», esse sono saturniano, está produzido aí, uma vez mais, por sahumerios, provavelmente da Datura stramonium ou de beleno, misturado com gálbano, o helbénáh dos sahumerios do Templo. Porque aí se trata de uma nova evocação, agora não interroga ao Moisés e ao Elias, a não ser a seu pai. Mas a qual? Compreenderemo-lo mais tarde.
A segunda pergunta é a seguinte: se os discípulos dormiram, e se estava afastado, à distância de um tiro de pedra, como se conhecem os termos de seu diálogo com seu pai? Não por eles, posto que dormem. Tampouco por ele, dado que Jesus ainda não tinha terminado de admoestar a seus discípulos, por fim acordados, quando os soldados romanos da Coorte, os servidores do Templo, armados com espadas e clavas, conduzidos por Judas Iscariote, seu sobrinho, chegam à luz das tochas e procedem imediatamente a sua detenção.
É através de um personagem, do que só nos fala Marcos, por quem conhecemos estas coisas, e os detalhes são dos mais curiosos:
«E lhe abandonando, fugiram todos. Um certo jovem lhe seguia, envolto em um lençol sobre o corpo nu. Trataram de apoderar-se dele, mas ele, deixando o lençol, fugiu nu...» (Marcos, 14, 50-52.)
Em primeiro lugar, estranho o fato de que em pleno mês de março, na Judeia, no topo do monte das Oliveiras, ocorra a um jovem deslocar-se só com um lençol vestido, ainda de noite, nas horas mais frias, tão frias que se acenderá fogo no átrio do Caifás, alguns instantes mais tarde, ali onde Pedro renegará seu Mestre. (João, 18,18.)
Não se trata de um lençol no sentido literal da palavra. O latim da Vulgata de são Jerônimo, texto oficial da Igreja, tampouco emprega o termo latino pannus, que significaria pano. E não se trata de um lençol de cama, dado que naquela época não se conheciam essas coisas. Os judeus deitavam-se sobre esteiras, igual a todos os povos dessas regiões. Os romanos utilizavam camas de armar, com coberturas de lã ou de pele. Os francos utilizavam colchões, e, no pior dos casos, colchonetes. Porém, não havia lençóis de tecido, coisa bastante recente, dado que ainda em nossa época, na Alemanha e na Áustria, muitas camas das zonas rurais costumam levar só um lençol.
Na realidade, a Vulgata de são Jerônimo utiliza o termo latino sindon, que significa exatamente um sudário. E um sudário não tem nada em comum com as vestimentas rituais que devia levar um judeu daqueles tempos.
É este jovem o que representa o papel do anjo «vindo do céu para lhe reconfortar» e que nos narra Lucas (22, 39-44). E é através dele como conhecemos a prece que Jesus dirige a «seu pai». É o comparsa clássico em todo espetáculo deste tipo; em jargão isto se chama um «barão». E compreendemos que toda esta cenografia tem como finalidade reconfortar, efetivamente, ao Jesus em sua missão, missão da que ele não ignora que vai conduzir-lhe a uma morte horrível, sem esperança alguma de conseguir liberar Israel e restabelecer a realeza davídica. Não ignora que esta missão, desde que se retirou à Fenícia, ele a transladou já a outro «reino», que não é deste mundo. Mas os fanáticos que lhe rodeiam não o escutam nesta mesma sintonia.
Uns tinham montado este engano para catapultá-lo de novo a esse messianismo puramente político e sem esperanças de êxito. Outro tinha chegado já mais longe, e já o tinha denunciado: seu próprio sobrinho, Judas Iscariote, filho de Simão Pedro. Uma vez desaparecido Jesus, a filiação de Israel passava ao Simão Pedro, e ele, Judas, convertia-se no «delfim»... Quanto a outros, aproveitando a escuridão da noite, a pouca luz produzida pelas tochas, fundiriam-se nas trevas do monte das Oliveiras e empreenderiam a fuga sem nenhum escrúpulo. [18]
[18- Simão era, eletivamente, irmão de Jesus: «...e não se chamam seus irmãos José, Tiago, Simão e Judas?...» (Mateus, 13, 55). Por outra parte, Judas Iscariote, é o filho de Simão: «Um de seus discípulos, Judas Iscariote, filho de Simão...» (João 12, 4). E os outros textos nos precisam que se trata de «irmãos segundo a carne». (Paulo, Romanos, 9, 5; Eusébio da Cesárea, História eclesiástica, III, XX, 1.) Quanto aos famosos «trinta denários», se aparecerem aí é porque foram introduzidos pelos falsificadores anônimos que redigiram os pseudo evangelhos, para justificar a passagem de Zacarias (II, 12): «Então pesaram trinta sidos de prata para lhe pagar». Porque se se tivesse posto preço sobre a cabeça de Jesus, é indubitável que a soma teria sido muito mais considerável.]
Todavia, para os judeus de então não havia dúvida alguma de que tinha utilizado as ciências proibidas. O rumor de seu encontro com Samael nas solidões do deserto de Judá deve ter estendido-se. Sabia-se que tinha vencido ao Príncipe das Trevas. Portanto este, segundo a tradição mágica comum, era seu escravo, posto que Jesus o tinha domado:
«Mas os fariseus replicavam: "Por meio do Príncipe dos Demônios expulsa aos demônios..."» (Mateus, 9, 34.)
«E se estendeu o rumor de que tinha um Espírito impuro (subentende-se que a sua "disposição")...» (Marcos, 3, 30.)
No episódio da mulher adúltera parece utilizar um procedimento mágico, bem de adivinhação, ou de purificação:
«Jesus, inclinando-se, escrevia com seu dedo na terra. Como eles insistissem em lhe perguntar, ele, incorporando-se, disse-lhes: "O que de vós outros esteja sem pecado, seja o primeiro que a apedreje..." (subentendia-se que a pedra da lapidação, castigo que se aplicava às mulheres adúlteras segundo a lei).» (João, 8, 6-7.)
Aqui tratava-se, provavelmente, de uma consulta geomântica. Ainda em nossa época, em Marrocos, Tunísia e todo o Próximo Oriente alguns adivinhos praticam consultas mediante o procedimento adivinhatório denominado Darb-el-remel, ou «arte da areia». Com ajuda de pontos ou de raias riscadas sobre a areia se obtêm figuras com valor de oráculo, cujo número é invariavelmente de dezesseis, e que dão a resposta à pergunta formulada.
Podia tratar-se também de um procedimento de «desprendimento» psíquico particular. Riscam-se sobre a areia, ou sobre a terra determinados diagramas mágicos, faz-se passar o sujeito em questão por cima, e este se encontra liberado, já que o espírito mau, autor do mal, não pode suportar a passagem por cima dos caracteres sagrados. Este é, do mesmo modo, a origem das tatuagens protetoras.
A indulgência de Jesus para as mulheres adúlteras, ou às prostitutas, vem justificada pela presença de várias delas em sua genealogia ancestral.
Em primeiro lugar está Tamar, quem na Gênesis (38, 12 a 19) se prostitui a seu sogro em uma encruzilhada de caminhos, sem que ele a reconheça, para conseguir casar-se depois. Logo está Rahab, a prostituta oficial de Jericó, que oculta aos espiões enviados por Josué, antes da destruição da cidade, e por isso salva sua vida (Josué, 2, 1 e ss.; 6, 17 e ss.); depois se casa com Salmon, filho de Naasson, príncipe de Judá, e será mãe de Booz (Mateus, 1, 5). Temos a seguir Ruth, esposa de Maalon, e logo mulher de Booz; esta era de origem moabita, raça originada pelo incesto entre Lot, bêbado, e suas duas filhas, origem que deveria proibir a Ruth o acesso a uma família judia tradicionalista. (Ruth, 1, 4 e ss.; 2, 2 e ss.; 3, 9 e ss.; 4, 5 e ss., e Mateus, 1, 5.) Está, por último, Betsabé, mulher de Urias, oficial de David, a quem este rei mandara assassinar para conservar à esposa daquele, de quem fez sua amante, sem que esta protestasse. De tal adultério nascera Salomão (II Samuel, 11, e Mateus, 1, 6).
Enfim, parece subentender-se que Jesus, igual a seus discípulos, não pôde tampouco curar a todos quantos tinham relação com ele:
«Achando-se Jesus na Betânia, em casa de Simão, o leproso, aproximou-se dele uma mulher com um frasco de alabastro...» (Mateus, 26, 6.)
Pois bem, tratava-se da casa de seu amigo Lázaro, irmão de Marta e Maria, quem lhe oferecia invariavelmente hospitalidade quando ele se encontrava em Jerusalém. [19] E tal Simão continuava leproso.
[19- Observaremos que Jesus não passa jamais a noite na cidade Santa de Israel. Quando obscurece, faz o que tinha que fazer, e em seguida vai dormir em Betânia. Ao pé do monte das Oliveiras, por mais cansado que esteja. Porque ao por do sol se fecham as portas de Jerusalém, enquanto que o povoado da Betânia não tem portas. E nas noturnas trevas das ruas não iluminadas, quando as portas estão fechadas e vigiadas, Jerusalém se convém em uma ratoeira. E quando a situação se agrava, já não vai dormir em Betânia, a não ser em Getsêmani, o lugar antes citado, que se acha no monte das Oliveiras, e no qual há uma prensa de azeitonas. De onde a frase de Mateus (8, 20) e de Lucas (9, 58).]
O episódio da evocação de Moisés e Elias no topo do monte Tabor é a encruzilhada do destino de Jesus. Até esse momento tinha sido, depois de seu pai, Judas da Gamala, o pretendente legítimo à realeza davídica. Seus discípulos, seus amigos, seus irmãos «carnais», chamam-lhe senhor (adonai) às vezes, porque é seu senhor. Naquela época, e durante séculos, esse termo substituía em todos os estados do Próximo Oriente ao «sir» medieval europeu. Em público, a esposa do rei chamava a este «meu prezado senhor» ou «sir».
Todavia, depois dessa estranha cerimônia, efetuada com Pedro, Santiago e João (serão os mesmos que lhe acompanharão na do Getsêmani), já não será o mesmo. Terá compreendido, ele sozinho, que o messianismo político, terrestre, não tem esperança. A Providência tem previstas outras coisas para o mundo, mais importantes que o restabelecimento dos descendentes de David no trono de um Estado minúsculo. É que dessa evocação algo subsiste nele, uma entidade muito elevada tomou posse dele, e a partir de agora se servirá dele para remodelar o mundo. Para ele, esta entidade se chama Elias. O que tem de assombroso nisso? Tão somente conhece sua própria mitologia nacional. Para as legiões, que partiam encabeçando seus exércitos, essa entidade tinha já, desde fazia séculos, outro nome: Mithra.
Desse fenômeno de «posse» psíquica, Jesus é perfeitamente consciente. Daí a frase, contida de desengano, que dirige ao Simão, o zelote, seu irmão «segundo a carne», e seu sucessor legítimo, por ordem de primogenitura, quando ele, Jesus, tenha desaparecido:
«Em verdade, em verdade te digo: quando tu eras mais moço tu te rodeavas, e ias por onde te dava na vontade. Mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro será o que te cinjas, e que te leve para onde tu não queiras...» (João, 21, 18.)
E no Gólgota, perecido na cruz da infâmia, será outra vez ao Elias a quem se dirigirá:
«Para a nona hora, exclamou Jesus com voz forte: "Eli, Eli, lamma sabachthani?..."» (Mateus, 27, 46.)
Os escribas anônimos que redigiram os pseudo evangelhos não deixam jamais de traduzi-lo por: «Deus meu! Deus meu! Por que me abandonaste?» (Mateus, 27, 47.) Mas os judeus que assistiram à crucificação e que o ouviram, não se equivocaram quando disseram: «Está chamando Elias...» (Mateus, 27, 48.)
Alguns exegetas e linguistas, especialistas em línguas mortas, consideraram que esta frase era fenícia, e que significava: «Senhor! Senhor! As trevas... As trevas...», o qual tinha explicação, dado que se tratava de um agonizante, cuja vista ia apagando-se, pouco a pouco, ou que, por causa de um fenômeno mediúnico suscitado pelo último estado, distinguia formas terroríficas, como as descritas pelo Livro dos Mortos tibetano, ou pelo apócrifo Livro de José, o Carpinteiro, e que não seriam a não ser fantasmas interiores, que se liberariam do subconsciente do agonizante.
Deixamos-lhes a responsabilidade de semelhante tradução, pois, a nosso parecer, e tal como logo vamos ver, essas últimas palavras de Jesus tinham uma significação muito distinta.
Miguel Monte, FRC; é Grão-Mestre da Ordem Elus-Cohens - Lojas Rondônia/Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário